A ex-árbitra Fernanda Colombo provou todos os sabores, do mais doce ao mais amargo, que sua paixão pelo futebol poderia lhe proporcionar. Aos 30 anos, a catarinense de Criciúma se aposentou dos gramados em 2017, desiludida com a antiga profissão, mas sem abandoná-la por completo. Em entrevista ao blog Elas na Área de PLACAR, a atual comentarista de arbitragem do grupo Globo conta sobre a nova fase profissional, a entrada precoce na arbitragem e o enfrentamento de estereótipos.
Com passagens pela Band, FoxSports, e desde o ano passado na Globo, Fernanda, recentemente fez parte da transmissão da final da Supercopa feminina, disputada entre Corinthians e Grêmio, momento que marcou a primeira transmissão de uma narradora, Renata Silveira, em um duelo de futebol feminino em TV aberta. “Acho que todas as mulheres dividem essa conquista, essa vontade de que as coisas deem certo para outras”, comenta Fernanda.
Com mais de 900.000 seguidores nas redes sociais, a comentarista mostra seu lado mais bem-humorado e divertido – um contraponto à seriedade demonstrada em campo e em frente às câmeras. Ela compartilha seu dia-a-dia e conteúdos ao lado do marido, o também ex-árbitro Sandro Meira Ricci, com experiência em duas Copas do Mundo, e seu colega de Globo. É, portanto, uma grande mudança em relação aos tempos de arbitragem, em que não podia ter redes sociais devido a insultos e comentários machistas, segundo ela.
Fernanda sempre gostou de futebol. Do sonho de atuar em campo, ingressou na faculdade de educação física, chegou a treinar futsal e atletismo, até que recebeu o convite para participar do Curso de Arbitragem. “Muita gente no início falou que eu era maluca, mas eu sempre tive um apoio muito grande da minha família. Era o que eu queria fazer. Não ligava muito para as situações que eu enfrentaria e que eu enfrentei, não tinha nem tanta noção em relação a isso.”
Depois de atuar algumas temporadas em jogos amadores, ela, já com o aval da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), estreou no time de arbitragem na elite do futebol nacional em 2013, aos 22 anos de idade. Hoje, aponta que embora tivesse talento e bom preparo físico, a escalada rápida na carreira fez com que perdesse o amadurecimento natural que a profissão requer.
“Na arbitragem você tem que respeitar esse processo de maturação. Para chegar lá, você tem que realmente ter ‘comido mais grama’. Faltou isso, foi tudo acontecendo muito rápido, poderia ter dado certo, como para muita gente acontece. Comigo, acredito que realmente faltou mais preparo para eu estar na elite do futebol. ”
Outro fator relevante foi o fato de sempre ter chamado atenção por sua beleza. Em um ambiente cercado por figuras masculinas e machismo estrutural, Fernanda revela que era alvo constante de comentários que desqualificavam sua competência como profissional. “Quando se trata de uma mulher em campo, obviamente os xingamentos não são apenas para o árbitro, são xingamentos machistas, falando sobre a mulher”, afirma.
O episódio mais grave – e de maior polêmica- foi em 2014, no clássico entre Atlético-MG 2 a 1 Cruzeiro, pelo Campeonato Brasileiro, quando Fernanda Colombo foi escalada para atuar como bandeirinha. Após a partida, Alexandre Mattos, diretor de futebol da Raposa, se enfureceu com um erro da arbitragem na partida e disse, à época, que Fernanda deveria posar para a revista Playboy em vez de atuar em partidas de futebol.
A CBF optou por afastar a assistente dos gramados por duas rodadas, e voltou a escalá-la somente em jogos da Série C e D do Brasileirão. “Foi uma situação que fiquei sozinha e não tive o apoio de mais ninguém. Claro, eu era muito nova e não sabia como reagir, e quando você percebe que não tem apoio em algo que você dedica sua vida, preferi sair da arbitragem para me dedicar à outra coisa que me desse maior segurança”, confessa.
A presença feminina na arbitragem do futebol nacional, apesar de em passos curtos, avança progressivamente. Em 2020, a Confederação Brasileira de Futebol registrou recorde nas escalas de árbitras e assistentes em competições profissionais masculinas (394). À época do episódio com Fernanda, por exemplo, o número era de 141.
Apenas em 2019, isto é, 14 anos depois do feito, uma mulher, Edna Alves, foi escalada para comandar a arbitragem de um jogo de futebol da série A do Campeonato Brasileiro.
Mas para Fernanda, a escolha para se aposentar não tardou. Há cinco anos, rumou em busca de melhor estabilidade profissional. A ex-árbitra escreveu um livro infanto-juvenil, Vamos jogar futebol (Editora Ciranda Cultural, 2018), no qual conta as regras do futebol para crianças. Em seguida, fez uma especialização em jornalismo esportivo, e segundo ela, mais madura, passou a atuar como comentarista de arbitragem.
“A função que eu exerço hoje também não agrada a todos, já que a gente fala de arbitragem e coisas que mexem com a emoção do torcedor. Estamos falando se está certo ou errado e o torcedor tem a opinião dele, que geralmente é em prol do seu time, então é uma função difícil, lidamos com polêmica, mas é muito bacana ver que isso está crescendo entre as mulheres, não só o comentário de arbitragem, mas o comentário de futebol e a narração. Eu fico muito orgulhosa de falar da equipe feminina, ainda mais porque são minhas amigas, é uma conquista de todas”, diz.
Nas redes sociais, Fernanda se destaca com posts divertidos, muitas vezes usando o marido Sandro Meira Ricci como “ator coadjuvante”. Ela comenta que a função de árbitra exigia uma postura mais séria, algo que ela nunca foi, “nas redes sociais eu consigo demonstrar essa parte de humor que eu tenho e aproximar as pessoas, mostrando quem eu sou e que a gente pode sim falar de coisa séria, ser engraçada e estar no futebol. A gente pode tudo.”
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