Atrizes, cantores e principalmente artistas do mercado pornográfico têm ganhado bastante dinheiro com o serviço por assinatura, mas o buraco é mais fundo do que se pensa: sem investimentos do mercado por preconceito e alta concorrência, a rede social pode estar na corda bamba
Você provavelmente já ouviu falar no OnlyFans. Fundado em 2016 pelo britânico Timothy Stokely, a plataforma nasceu com a premissa de ser um lugar onde artistas e criadores pudessem oferecer conteúdo exclusivo aos seus fãs e cobrar por isso. A ideia é bem simples: você cria uma página e define o quanto deve-se pagar para acessar a página ao longo de um mês ou apenas por uma visita -- é como um pay-per-view, só que cada criador tem seu próprio canal. Também é possível lucrar com gorjetas, conteúdo exclusivo e lives. Pelo serviço, é cobrada uma taxa de 20% sobre os ganhos. Embora aberto a todo tipo de assunto, de gastronomia a educação, o serviço ficou popular mesmo por conta dos conteúdos adultos.
Ao todo, são mais de cinco milhões de criadores e mais de 150 milhões de assinantes ao redor do mundo. Em termos de ganhos, segundo dados divulgados pela própria plataforma, em maio de 2020 o OnlyFans rendeu US$1 bilhão de dólares, 10 vezes mais do que os US$100 milhões pagos aos criadores em dezembro de 2018.
Motivos variados
Ainda que a maioria entre na plataforma pra complementar a renda (ou até viver dela), há quem produza conteúdo adulto para satisfazer suas próprias vaidades. Nana Gouvêa, por exemplo, criou seu canal a pedido dos fãs e acredita que "a nudez e a sensualidade devem ser remuneradas". Já o modelo carioca Lucas Borges, por exemplo, só aderiu ao serviço por curiosidade de ver até onde ele poderia chegar. "Tanto que as primeiras fotos que postei eram de cueca ou semi-nudes. A partir do momento que tudo começou a dar certo, resolvi investir de verdade na plataforma", diz ele, que hoje publica vídeos e fotos explícitas.
Já o casal Victor Veiga e Jordan Giraldi começou por lá pelo prazer em assistir aos próprios vídeos. "A gente sempre gravou, mas não divulgávamos. Eu tenho muito fetiche em assistir depois, gravamos nossa primeira transa. No final de 2020, conhecemos um criador de conteúdo durante uma viagem e, conversando com ele, descobri o potencial da plataforma. Me instigou demais, mas morreu ali. Até que em junho de 2021 a gente conheceu outro cara, no Grindr (app de paquera gay), e no perfil dele já dizia que ele gravava. Gravamos essa transa e no dia seguinte estávamos criando um Twitter e postando algumas coisas", conta Jordan.
Experiente no entretenimento adulto e um dos principais nomes da plataforma no Brasil, Blessed Boy conta que começou a produzir pornô quando era garoto de programa, como vitrine para conseguir clientes, o que mudou quando ele entrou no OnlyFans. "Demorei um pouco para entrar, pois estava meio cansado de fazer programa e tinha parado. Em maio de 2020, inverti a situação: no começo eu usava o pornô como vitrine, agora faço apenas isso, porque a plataforma permite uma rentabilidade muito maior. Na época, minha maior insegurança era saber se os fãs iriam continuar assinando, se aquele dinheiro iria continuar chegando -- e continuou", diz.
Entre produzir o próprio conteúdo ou trabalhar com produtoras tradicionais, Blessed diz que "o dinheiro nem se compara". Ele fala que o mercado brasileiro é bem diferente do mercado internacional. Além de pagar "pouco", ele seria mais incerto. "Além disso, você tem uma independência maior na sua produção de conteúdo, autonomia para escolher com quem e como você vai gravar, e mais liberdade com o seu tempo -- se cansar de gravar, por exemplo, pode ir embora. Também dá para ter um controle maior da sua imagem, já que você tem a palavra final, mesmo que contrate alguém para editar. No pornô da indústria, você vende um pouco esse seu direito", reflete.
Roniele Barreto, de 27 anos, conhecido como Pistolinha já fez animação de festa, trabalhou com artistas, como a Valesca Popozuda, MC Mirella, Sabrina Sato e fez participações no extinto Pânico, antes de entrar para o universo pornô. "Mas sempre gostei, acho que tenho um talento natural para isso. Por vir de uma cidade pequena, Miguel Calmon, no interior da Bahia, a galera me achava bonitinho, mas não queria transar com o anão. Depois que vim para São Paulo, tudo mudou. Foi quando vi que fazer conteúdo erótico poderia me render uma grana. Comecei trabalhando para produtoras, mas isso não dava dinheiro... Migrei para o XVideos, para faturar mais, e agora estou no OnlyFans também", relata.
Exposição x Vida pessoal
Ter controle da própria imagem é uma das principais razões para investir na plataforma, segundos os entrevistados. "O que acontece lá, fica lá. É tudo no sigilo. Gosto de mostrar a mulher que sou de verdade, gravar com meu celular… Mostrar a realidade, sabe?", conta Renata Frisson, mais conhecida como Mulher Melão, que diz ser a número um da plataforma no Brasil. Ela fez carreira como símbolo sexual e já chegou a posar nua algumas vezes para revistas, mas hoje prefere focar seu conteúdo explícito no OnlyFans, pela rentabilidade e autonomia.
E a exposição? "É babado! É um processo de amadurecimento, porque você se coloca numa vitrine, como se fosse um açougue com pedaços de carne pras pessoas julgarem", diz Blessed Boy. "Eu tive momentos de crise terríveis! Você começa a se ver de formas que nunca se viu. No começo eu ficava ‘encanado’ com tudo. Aí quando você posta, percebe que ninguém nota aquilo que te causou neuras. Fazer terapia ajuda", conta Victor.
Ele brinca ainda que entrar no OnlyFans foi "praticamente como sair do armário novamente", tanto para a família e amigos, como no trabalho. "Preferimos contar, porque se a pessoa descobre recebendo algo no WhatsApp, é uma bomba! Para a gente foi um grande passo, porque sempre tínhamos receio de como isso afetaria nossas carreiras -- eu sou cabeleireiro e ele [Jordan] trabalha numa farmacêutica. Já aconteceu vários episódios de vídeos caírem na mão de concorrentes e eles tentarem me queimar e criar boatos", conta Victor.
Qualidade e constância são a chave do sucesso
Quem acha que produzir pornô é uma saída fácil para ganhar dinheiro, deve repensar. Além da exposição, há o trabalho da própria produção de conteúdo, como o de gravar, editar, fotografar, produzir, divulgar e também interagir com os seguidores e assinantes para aumentar a base. A proximidade com o público, aliás, é citada como um dos grandes diferenciais da plataforma e uma das principais formas de fidelizar o assinante. É também através das mensagens diretas que se consegue um lucro extra, atendendo pedidos dos seguidores que pagam a mais por conteúdo exclusivo.
"Tem que trabalhar de verdade, ter foco e sensibilidade para agradar o público. Entrego conteúdo diariamente, não é apenas tirar a roupa e rebolar, todo dia tento fazer algo para surpreender meus fãs. Dá muito trabalho!", diz Renata. Para Victor e Jordan, que têm outros trabalhos, a jornada dupla é puxada e inclui madrugadas e fins de semana dedicados à produção de conteúdo. "No começo a gente postava quase todo dia, para ter uma quantidade razoável de conteúdo na plataforma, e hoje criamos um fluxo mínimo: um vídeo de casal e um feat por semana", revela Jordan.
Constância e atenção à qualidade são essenciais para ter sucesso na plataforma. "Como tem muita gente fazendo, você tem que ser caprichoso para se destacar", diz Blessed Boy. Ele fala que posta dois vídeos de sexo por semana e nos outros dias posta alguma outra coisa, "nem que seja uma foto", para manter as pessoas mais fidelizadas. "Não me cobro coisas que não posso fazer, mas também tento fazer o melhor que puder em cada postagem. As pessoas percebem quando você está produzindo e quando você está enrolando. É trabalho, viu! Tem gente que fala que é vida fácil -- e você pode até levar como uma vida fácil, postar só de vez em quando, postar qualquer coisa… Mas aí você não vai tão longe", reflete.
Twitter: o melhor amigo do OnlyFans
Entre a grande maioria dos criadores, uma coisa é certa: é praticamente impossível imaginar o OnlyFans sem o Twitter. Para crescer no site, é preciso divulgar o trabalho e a forma mais comum e eficaz é apostar no poder das redes sociais. O Instagram contribui, mas é no Twitter que as coisas acontecem, já que a rede é a única que permite nudez e conteúdo explícito. É lá, também, que dá para conhecer outras pessoas que fazem OnlyFans, para parcerias. "Estou chegando a 200 mil seguidores no Twitter e ele é minha principal ferramenta de divulgação. É de lá que vêm meus assinantes, basicamente", conta Lucas.
Com mais de 114 mil seguidores no Twitter, Pistolinha reforça. "A gente usa muito o Twitter como forma de divulgação, rola muita retuite, que é uma troca de divulgação, e conseguimos mais fãs. Fazemos muito isso com a galera da gringa e funciona bastante. Tenho um público bom no exterior", orgulha-se o modelo, que inclusive está vendendo conteúdo especial de Natal na rede social. Victor e Jordan fazem coro: "É o principal canal para captar assinantes, sem ele é praticamente impossível de divulgar. Compartilhamos uns teasers, vale tudo que for mais apelativo, para instigar as pessoas a assinar".
Também dá para postar teasers em outros sites, como o PornHub ou no XVideos, plataformas de pornografia gratuita. Outra forma importante de divulgação é fazer parcerias com outros criadores que tenham bom engajamento. Blessed Boy conta que, além de gravar feats, é comum compartilhar o conteúdo da outra pessoa na sua página e vice e versa. Por sua vez, ele vêm se tornando uma personalidade influente nas redes sociais, com 270 mil seguidores no Twitter e mais de 55 mil seguidores no Instagram, diversificando seu conteúdo além do pornô.
PIRATARIA
Embora sejam essenciais para a divulgação de conteúdo, as redes sociais e os sites de pornografia gratuita são também os principais responsáveis pela piraratia e vazamentos de conteúdo. Blessed Boy diz que essa é uma guerra perdida: "Se eu vejo alguém postando um vídeo meu, falo. Mas tendo a pensar que a pessoa que vai baixar um vídeo vazado não é a pessoa que vai assinar. A realidade é que tem muita coisa gratuita e quem assina está buscando posts diários, interação e também consumir conteúdo de forma legal. É como assinar um streaming. Acho que a gente acaba perdendo fãs, sim, mas tento pensar que não é o fim do mundo".
Mina de ouro?
"Acho que essa é a pergunta que todo mundo tem curiosidade em saber, mas é um pouco complexo responder. Costumo dizer que é como uma empresa: algumas dão certo, outras, não. Uma pessoa com uma base boa de seguidores em outras redes sociais, para fazer divulgação, consegue tirar mais de R$10 mil por mês, mas é importante dizer que esse valor varia mensalmente", explica Lucas.
Fábio Braz, ex-jogador do Vasco, já posou para G Magazine nos anos 2000 e tem apostado no OnlyFans. "O retorno começou bem, porém requer paciência para poder atingir o público ideal. Mas devagarinho estamos conseguindo atingir o objetivo esperado e a galera tem gostado bastante (risos). Os valores são bem bons, porque tenho várias formas de monetizar dentro do grupo e criar um clube de assinatura, que sempre foi meu foco", explica.
A vibe amadora é o que faz mais sucesso por lá, o que diminui a necessidade de grandes produções e investimentos, o que encareceria o conteúdo. Blessed Boy conta que, no cotidiano, grava em casa, com telefone, "tentando fazer o melhor que consigo, com ajuda de luzes e softboxes". Ainda assim, pensando na qualidade do seu trabalho como o grande diferencial, ele diz que pretende investir em produções maiores, eventualmente. Hoje ele ganha na faixa de cinco dígitos por mês.
"Como vim de uma família pobre, tenho muitos sonhos de consumo. E tem só dois anos que comecei a ganhar dinheiro. Primeiro estou realizando meus sonhos de infância, comprando tudo que gostaria e não podia ter. Hoje, moro em uma casa confortável e comprei meu carro. Tenho uma vida boa. Só de poder comer e ir aonde quiser já é um sonho. Mas também tenho consciência que querendo ou não, isso tudo é uma ilusão. Uma hora vai acabar esse sucesso. Por isso, comprei três terrenos e cuido muito da minha saúde", afirma Pistolinha, que prefere não revelar o valor do seu faturamento mensal.
O principal rendimento dos produtores de conteúdo são as assinaturas. Blessed Boy cobra US$9,99/ mês, por exemplo, mas também é possível ganhar dinheiro vendendo conteúdo exclusivo para os fãs ou através de gorjetas pagas no próprio site. Mulher Melão, que tem um dos maiores perfis no OnlyFans, no Brasil, diz que fatura alto no OnlyFans e conta que já lucrou mais de R$ 1 milhão de reais. Além dos assinantes, ela diz que é "muito mimada" pelos seguidores: “tenho muita sorte, porque tenho fãs incríveis! Os gringos são bem generosos, mas os brasileiros não ficam atrás e também me dão gorjetas altíssimas”.
Para manter o rendimento, é preciso organização e, como qualquer empresa, planejamento. Victor e Jordan contam que ganharam cerca de R$40 mil reais nos dois primeiros meses na plataforma, mas entendem que o principal desafio é conseguir reter assinantes, ao mesmo tempo que captam novos fãs. “Eu tenho uma planilha com todos os números! Evolução de assinantes, engajamento por dia da semana, retuítes… A gente consegue saber também quando está completando 30 dias do assinante, para postarmos um vídeo mais apelativo e incentivar ele a renovar a assinatura”, conta Jordan.
Pack do pezinho
Você já deve ter ouvido falar da brincadeira do pack do pezinho, né? O tal pack, nada mais é do que um compilado de fotos dos seus pés que, muito além do meme, podem render muito dinheiro -- no OnlyFans, inclusive. Yago Lanes, influenciador digital conhecido como 'Maluma brasileiro', fatura alto com quem tem fetiche nessa parte do corpo.
"Consigo faturar, por mês, de R$5 a R$10 mil com fotos e vídeos, mas já recebi propostas de R$30 mil reais, se eu deixasse chupar e morder meu dedão e massagear meus pés por uma hora. Já fiz até vídeo exclusivo pisando em uma banana, deixando os pés melados (risos)", conta. Ele diz que o que chama mais atenção nos seus pés é uma tatuagem igual à do Maluma, feita na época em que Yago era cover do cantor. "Tenho até uma página de fã-clube dedicada aos meus pés", celebra.
Grandes artistas no OnlyFans
Celebridades como Anitta, Bella Thorne e a própria Cardi B também estão por lá, faturando com conteúdos que vão desde bastidores de videoclipes a fotos sensuais. O hype é tão grande que até Beyoncé já citou o OnlyFans, no remix de Savage, de Megan Thee Stallion. A música rendeu à dupla um Grammy de Melhor Música Rap e ao site, um aumento de 15% de tráfego nas primeiras 24 horas depois do lançamento do single, segundo informações dadas ao site Insider.
Thorne, inclusive, foi uma das primeiras famosas de grande porte a entrar na plataforma, causando polêmica tanto entre seus fãs, quanto entre os usuários. Cobrando até 200 dólares por assinaturas premium, a atriz prometeu nudes e entregou, no máximo, fotos de lingerie. Na contramão, o que começou como meme, culminou na restrição de conteúdo explícito no site, em setembro de 2021, revogada após inúmeras críticas. Usuários que construíram seus meios de subsistência no OnlyFans culpam justamente as celebridades pela mudança de perfil. Eles alegam que famosos cobram preços muito altos por imagens que são muito mais moderadas do que o conteúdo explícito que os chamados trabalhadores do sexo oferecem no site.
Por sua vez, representantes do OnlyFans alegam que estão "evoluindo suas diretrizes de conteúdo" após enfrentar uma pressão de seus financiadores, que tramitam milhões de dólares para a empresa. Segundo o site especializado Axios, apesar do número expressivo de assinantes, a plataforma tem tido dificuldade em conseguir investidores, pois conteúdo adulto ainda é um tabu e, apesar de vender, assusta possíveis financiadores. "Quando as celebridades começaram a entrar eu pensei ‘vão barrar pornografia’! Dito e feito! O OnlyFans quer dinheiro e sempre sobra pro lado mais fraco. Eles voltaram atrás, mas não boto a mão no fogo, não", diz Blessed Boy.
Presença em outras plataformas
Diante da incerteza das diretrizes de conteúdo do OnlyFans, muitos criadores já se preparam para um futuro fora da plataforma, caso a nudez volte a ser proibida. Blessed Boy acredita que a demanda pelo conteúdo tornará outras redes similares - que já existem - tão populares quanto a original, mas, por ora, ainda é preciso investir na pioneira.
Uma dessas plataformas é a ONnow Play, também de vídeos por assinatura com foco em conteúdos adultos. Brasileira, sua grande vantagem é a facilidade no pagamento, pois aceita pix, boletos e não é necessário um cartão internacional, atraindo muito público nacional. Blessed, Victor e Jordan estão por lá -- um terço do rendimento do casal, inclusive, vem do ONnow. Outra opção conhecida é o Just4Fans, favorita de muitos criadores gringos por permitir conteúdos fetichistas, porém Blessed Boy explica que ela não é tão transparente quanto o OnlyFans, além de cobrar 30% de taxa para hospedar o conteúdo.
Futuro da plataforma
O OnlyFans é um fenômeno e os números mostram isso. Segundo o próprio site, durante a pandemia, usuários gastaram cerca de US$2,4 bilhões de dólares por lá. O conteúdo adulto amador é o que realmente bomba e, para os produtores, a plataforma ainda é o meio mais justo e lucrativo de vender seu trabalho. Mas, até quando? Diante da pressão de investidores, entre celebridades e criadores pornô milionários, o futuro da plataforma é incerto. De um lado, usuários ameaçam boicote caso restrições se concretizem; do outro, o mercado ainda é muito careta para financiar uma plataforma conhecida pela pornografia. Resta esperar para ver para onde a balança vai pender.
Fonte: Revista Quem
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